Da abelhinha do livro infantil à adolescente - Gordofobia mata!

Há poucos dias atrás, Dielly Santos de 17 anos se suicidou numa cidade distrito de Belém do Pará. O bullying, as ofensas e a dor foram fardos pesados demais para se carregar. Eu passei por bullying por ser gorda a adolescência inteira. Tenho lembranças claras de acontecimentos e do quanto tudo isso me fez mal na época. Acho que o que me salvou é que não existia internet e redes sociais como hoje. Ter que lidar com piadas, memes, compartilhamentos somado os xingamentos na escola é para minar a saúde mental e emocional de qualquer um.

Uma tristeza imensa nos invade ao saber de uma noticia dessas e saber que muitas outras estão sofrendo em silêncio, com fome ou fazendo mal ao seu próprio corpo. Esse bullying contra o corpo gordo é gordofobia também. Essa pressão estética que exige das mulheres (e meninas) corpos perfeitos e inalcançáveis é machismo.  Machismo que dita um ideal de beleza, que coloca no Instagram e no Youtube, mulheres que viram e desviram para chegar a um corpo com mínimo possível de percentual de gordura. Mulheres que enfrentam dietas ditas revolucionárias, "estilo de vida" mas vivem em extrema restrição alimentar. Mulheres que desenvolvem transtornos alimentares e de imagem e que vão passar um vida infelizes, brigando e odiando o seu maior bem: seu corpo.

Falando de gordofobia e bullying, eu queria voltar lá atrás na primeira infância, quando as crianças começam a notar que somos diferentes um dos outros. Começam apontar o gordo da turma, usar apelidos, tira-lo das brincadeiras, deixa-lo por último no time de futebol. Como ocorre essa aversão ao diferente de nós? Vem da falta de representatividade, vem dos vídeos nos canais do youtube, vem de observar os adultos e vem também dos livros.

Livros infantis também propagam preconceitos. Ontem me deparei com um extremamente gordofóbico. Ele contava a historia de uma abelha que comia muito e em um determinado dia, ela comeu e foi ficando muito gorda. Ela ficou tão gorda naquele dia que não podia voar. Eu me choquei a cada palavra que lia. A mensagem principal do livro nem importa mais. 

A primeira coisa que a gente sabe é que ninguém engorda da noite para o dia. Impossível, acordar magra e dormir muito gorda. No entanto, a gente vê mulheres e adolescentes sofrendo de bulimia, fazendo restrições enormes e compartilhando piadinhas em festas de fim de ano e Páscoa. Nessa historia, só fortalece a ideia que se comeu muito hoje vira gorda amanhã ou então que quem come muito é consequentemente, gorda. A mensagem mais triste que o livro passa é que ao engordar, a abelha perdeu a capacidade de voar. Sua principal forma de ir para casa, trabalhar e coletar o néctar das flores. Atitude que segue reforçando o esteriótipo de gordos incapazes, gordos que não conseguem brincar, gordos que são péssimos em esportes. 

Muitos vão dizer que é exagero, que é mimimi, mas a abelha e a adolescente estão no mesmo problema. Estão diretamente relacionados a propagação que o corpo gordo é inútil, feio e digno de vergonha. Tem solidão e opressão que aprisiona pessoas. Pessoas como Dielly que morreu aprisionada dentro de si mesma e recebendo ódio dos colegas (e segue recebendo), crianças que leem o livro como se fossem a abelha, que sabem que seu nome vai ser citado na leitura, que vai ter riso e piadas e crianças que não se identificam com a abelha mas que vão associar a abelha ao amigo gordo e vão lembrar de mante-lo de fora na próxima brincadeira.

As abelhas que eu conheço são como essas aí da foto. Livres e voando. Tudo que a sociedade machista e gordofóbica não permite as nossas crianças e adolescentes. 


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